domingo, 17 de agosto de 2014

A viagem ultra-interior: diário de bordo (parte 2)





"E ele continuava a sonhar, a viajar acordado. Cada vez mais longe, cada vez mais... fundo."
Regressão 23-07-2014 (continuação 1)

 

Ato II – A estrada de vidro

 

Agora, dentro da esfera, ele flutuava livre-leve-solto em meio ao espaço presente dentro do seu olho direito. Muitas, muitas cores. Muitas, muitas estrelas. Nenhum barulho.

Um certo medo (PÂNICO) começou a lhe ocorrer, quando a física começou a parecer fazer efeito, e ele estaria prestes a cair. Mas ele não sabia onde, pois não havia chão visível, não havia teto, nem parede. Não havia nada.

Mas foi diferente do que imaginara, em vez de despencar, ele vagarosamente se sentiu descendo, planando, como uma pena ou folha de papel em pleno ar indo de encontro ao solo. Avistou então o chão, uma estrada de vidro (como conseguiu descrever), que cruzava aquela imensidão de nada de ponta a ponta, se perdendo na imensidão de vazio e cores.

Podia caminhar agora, mas se sentia inseguro com aquele piso cristalino e translúcido aos seus pés, pois parecia ser bastante frágil, e que qualquer movimento brusco que inferisse peso contra, poderia despedaçar tudo. O chão era meio transparente, mas refletia um pouco das cores vindas das estrelas e de todo o resto de sua volta que não era escuridão.

Deu o primeiro passo. E depois o segundo. E continuou avançando receosamente por aquele caminho tortuoso, cheio de subidas e descidas. Caminhou por um tempo, passou por uma descida íngreme, e se viu em problemas logo em seguida, pois a subida era igualmente da mesma forma, e ficou preso, sem poder mais voltar nem seguir adiante, pois o solo era liso demais para escalar de qualquer das formas que conseguiu pensar (e tentar).

Depois de um tempo de aflição, conseguiu se acalmar. Algo chamou sua atenção. Parecia que no vidro sobre os seus pés estava começando a aparecer imagens, onde ele então se concentrou para observá-las, curioso.

***

Ato III – Umbral 

 

Na imagem sobre o vidro, ele conseguiu discernir uma sala de apartamento bastante judiada, antiga e castigada, com assoalho de madeira e sujeira pelos cantos. Nesta sala havia uma TV também bastante antiga sobre uma mesinha bem rudimentar e simples, onde passava um noticiário em uma transmissão chuviscada e trêmula.

Havia um sofá, onde duas pessoas estavam sentadas/deitadas. Não soube definir a cor do sofá, mas o mesmo estava com vários fios puxados e alguns buracos onde era possível ver as molas e espumas presentes dentro dele. Uma das pessoas era um homem meio gordo, com cabelo grisalho e barba por fazer. A outra pessoa era uma mulher magra e cabelo loiro liso (parecia ser bem mais nova do que ele, porem tão judiada que sua aparência era deprimente). Ambos assistiam ao noticiário, onde ela deitava-se no colo dele, e ele acariciava os cabelos dela.

Atento ao vidro do chão, ele lá do espaço continuou a observar as imagens que lhe eram passadas.

Agora o que aparecia era o que havia fora daquela sala, através de uma pequena janela que existia logo atrás do sofá. Lá de fora, percebeu que a sala fazia parte de um apartamento do terceiro andar de um prédio.

O ambiente era bastante caótico. Muito barulho de transito, buzinas, sirenes de polícia ao longe, e muitas pessoas indo e vindo. Tudo esbanjando um ar triste, velho e também sujo. Para ele, era como um centro de cidade grande americana (Nova York) da década de 50, onde se lembrava de ter visto apenas em filmes.

Em meio à calçada do outro lado da rua, havia uma criança aparentemente perdida na multidão. Uma criança de rua usando trapos como roupa, cara embarrada assim como as mãos e pés que estavam descalços. Tinha um cabelo loiro encaracolado, e bonitos olhos azuis que se destacavam de toda aquela depressão do restante do ambiente.

A pequena menina estava parada em meio à calçada, e pessoas com suas roupas pretas sociais, malas, guarda-chuvas, chapéus e cartolas passavam pela mesma e a ignoravam, como se ela não pudesse ser mais vista, como se ela não existisse (não naquele mundo). Ele lá do espaço, assistindo tudo de trás da imagem refletida na estrada de vidro, foi transportado em pensamento para aquele lugar, junto às pessoas, e aquela cidade decadente.

Ali, bem próximo dele, ela, a menina de rua, parecia bem triste e choramingava, coçando os olhos com as costas da sua mão direita. De repente ela parou e olhou para frente, para ele, e então abriu um sorriso. Parecia enfim feliz, porque alguém estava conseguindo enxergá-la. Parecia ser o único que conseguia vê-la. Foi incrível para ele o sentimento de alívio que ela esbanjou quando o encontro de olhares se firmou.

A menina então começou a andar para trás, sempre o encarando (e agora sorrindo), e foi entrando em um beco entre dois prédios, até sumir por lá em meio a um canto escuro. Ele continuou ali, em frente ao beco até que gotas de chuva começaram a cair. As pessoas começaram a acelerar o passo e até mesmo a correr, mas ele ficou ali, parado e sentindo cada nova gota que caia e lhe tocava o rosto.

Fechou os olhos. Ao abri-los novamente, estava de novo lá, sobre a estrada infinita de vidro, em meio ao universo infinito de cores, numero infinito de estrelas, e um numero ainda maior de perguntas ainda sem respostas.

***


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