quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A Flor de Minerva

Estive bolando uma história na cabeça, e resolvi tentar coloca-la enfim no papel. Há muito não escrevia textos longos, apenas revisava e retocava os contos antigos.

Abaixo você poderá conferir o que saiu desse meu novo recomeço ;).

Espero que gostem, pois eu realmente gostei desse \o/.

***

A Flor de Minerva

mulher de olhos azuis



O menino corria como sempre. Desta vez estava brincando de passarinho, batia as asas e voava, em sua imaginação, acima das nuvens.
O velho da praça estava no seu local de costume, sentado a beira da fonte do centro do vilarejo, perdido na fumaça do seu cachimbo, e em sua meditação.

A fonte tinha uma forma circular, onde ao centro uma estátua de uma jovem bela mulher, de cabelos longos jogados ao ombro direito, repousava sentada, como se estivesse à espera de alguém. Aos seus pés havia um canteiro onde uma única flor jazia firme, bela e cheia de vida.

Era a Flor de Minerva.

O dia estava ensolarado, o sol radiante e quase não havia vento. Não para o menino que estava a voar em meio a uma terrível tempestade. Ao desviar de um raio que quase o acertou em cheio, ele foi ao chão, exatamente em frente ao velho.

Após mais uma tragada do seu cachimbo de erva doce, o homem de barba longa enfim perguntou:

- Você está bem, garoto?

O menino desgrudou sua cara do chão, levantou-se rapidamente virando-se ao senhor de idade, e com as mãos na cintura, soltou:

- Piu. Não foi nada! – Abrindo em seguida um sorriso de orelha a orelha.

Neste momento o velho deu uma pequena gargalhada perante a resposta do moleque, e o mesmo colocou uma mão a cabeça e a língua para fora, em sinal de vergonha.

O pequeno então dirigiu seu olhar para a fonte atrás do velho, e silenciou. Admirou por um momento a beleza da estátua, e enfim perguntou:

- Quem é essa aí mesmo?

Mais uma tragada, e o velhote respondeu:

- Minerva. Aquela que esperou sentada.

- Quem? – O garoto com aquela cara de dúvida de criança.

- Sente-se jovem, foi lhe contar uma história.

Sem pestanejar, o garoto sentou de pernas cruzadas, em frente ao homem barbudo. Ele adorava escutar histórias.

***

Há muito, muito tempo atrás, exatamente neste mesmo lugar, existia uma pequena aldeia de selvagens. Eram pouco mais de trinta membros, onde todos se consideravam uma família, onde todos se consideravam irmãos.

Desde pequena, Minerva era considerada especial, pois nascera com os olhos azuis da Mãe Noite, a lua. Já uma moça crescida e com corpo de mulher, ela se mostrava serena e bondosa, e transmitia em seu ser uma vasta abundância de sabedoria. Todos a idolatravam, pois a sua simples presença trazia tranquilidade aos que a rodeavam. Manter sua segurança era a função primordial entre todos os guerreiros da família, inclusive para Bhertaco Asas-de-Prata, o mais jovem guerreiro do bando, mas que carregava junto a si uma coragem e lealdade sem igual. O seu apelido vinha da sua habilidade de salto, como se voasse a cada pulo. De cima para baixo, ele acabava com qualquer inimigo com golpes rasantes junto as suas adagas.

A vida da família era considerada difícil, onde o perigo rodeava a aldeia a todo instante. Naquele tempo, os animais eram maiores, mais ferozes e perigosos, mas a maior ameaça era sem nenhuma dúvida A Sombra, um felino gigante, com pelagem completamente negra, olhos amarelos e dentes sedentos por carne.

Uma antiga lenda contava uma história onde a Mãe Noite tinha um irmão ciumento, e que queria apagar o seu brilho, deixando a noite completamente sem luz.

A Sombra buscava a sua preza a todo custo. E A Sombra buscava... Minerva.

***

A maioridade de Minerva já estava a vista, e um companheiro para ela deveria ser escolhido em breve. Todos os anciões da família tinham uma opinião em comum, onde eles acreditavam que deveria ser o guerreiro mais forte, corajoso e destemido o par ideal para Minerva, pois a mesma estaria segura o tempo todo com alguém assim do seu lado.

Minerva arrepiava-se toda vez que pensava no assunto, principalmente quando o principal campeão entre os guerreiros do vilarejo passava-lhe diante os olhos. Dhrogo Pata-de-Urso realmente era forte, terrivelmente assustador devido o seu tamanho, e igualmente mal encarado. Era um típico guerreiro, onde não havia nenhum espaço para gentilezas.

A moça dos olhos da Mãe Noite tinha o olhar apenas para um único alguém. Esse era em quem ela confiava de verdade. O azul dos seus olhos parecia resplandecer ainda mais quando neles estavam refletindo a pessoa de Bhertaco Asas-de-Prata.

Mas não havia escolha. A tradição era enraizada demais nos mais velhos da família, e sua opinião, neste caso ao menos, não tinha validade alguma.

***

Era uma noite com poucas estrelas, e a Mãe Noite estava pouco visível no céu, onde umas nuvens negras a cobriam de leve.

Um vendo frio soprou do leste. Por um imperceptível momento, a lua ficou completamente escondida. Foi neste instante que um vulto conseguiu adentrar em meio ao vilarejo e já acabar com dois guardas que faziam a ronda da madrugada.

A Mãe Noite voltou a aparecer, e o vulto foi então revelado. A Sombra estava lá, imponente e segura de si mesmo, onde seus olhos vidravam em direção a tenda de Minerva. Com passos cada vez mais rápidos, ela disparou de encontro ao seu objetivo.

Um urro foi escutado e a fera parou por um instante. Dhrogo Pata-de-Urso com sua clava em mãos corria em direção ao animal. Um golpe foi dado ao vento, pois A Sombra desviou rapidamente do ataque. Um segundo golpe foi tentado e mais uma vez a fera se mostrou mais rápida que seu adversário.

Neste momento, todos do vilarejo já estavam a se acordar, e saindo rapidamente para fora de suas tendas, em busca de tentar entender o que estava acontecendo. À medida que eles começaram a presenciar A Sombra em meio à vila, seus corações disparavam e seus corpos ficavam imóveis, sem saber o que fazer. Observar e torcer pelo seu campeão foram o máximo que conseguiram.

Dhrogo Pata-de-Urso estava realmente se mostrando um valoroso guerreiro. Com olhos fixados em sua presa, ele partiu para mais um ataque. Levantou sua clava sobre a cabeça com as duas mãos, e correu. A Sombra, não se intimidou, e se preparou para um contra ataque rápido e certeiro. Abaixou sua cabeça próxima as patas dianteiras e esperou.

No momento exato, a fera voou em direção a garganta do guerreiro, e este sem a velocidade necessária para desviar, caiu, sem ao menos fazer um arranhão na sua adversária. Minerva neste momento apareceu na porta de sua tenda. A Sombra a olhou de imediato, passando a sua grande língua pelo próprio focinho, cheio de sangue fresco de Dhrogo Pata-de-Urso.

Minerva estremeceu. Em desespero olhou para um dos lados e começou a correr em busca de salvação. Os demais guerreiros da família mesmo espantados com a derrota do seu campeão pegaram atrapalhados suas armas e correram em direção a fera, e esta corria em direção a moça dos olhos azuis.

***

“Não dava tempo”, pensavam todos.

Minerva tropeçou e caiu, como sempre acontece com donzelas em fuga. A Sombra então acelerou, e apenas uma verdadeira sombra era o que se podia ver.

Minerva fechou os olhos e esperou o fim.

Mas eis que então uma voz familiar à fez abrir os olhos novamente, e a olhar para o céu. Acima de sua cabeça estava a Mãe Noite, bela e cheia. Foi então que passou por ela um alguém conhecido. Como um pássaro, Bhertaco Asas-de-Prata voou sobre a sua protegida em direção A Sombra, e em um ataque mais rápido que até mesmo a fera pudesse desviar, o jovem guerreiro acertou em um dos olhos do bichano.

A Sombra se estabanou no chão se arrastando por muitos metros, devido ao golpe inesperado e a velocidade que ela estava. Bhertaco Asas-de-Prata já estava novamente a postos para continuar o combate.

A gigante negra serrilhou os olhos, e disparou em direção a seu novo adversário, mas o jovem guerreiro estava bem preparado e principalmente determinado a vencer. Quem não conseguiu acertar um golpe se quer desta vez foi A Sombra. Bhertaco Asas-de-Prata com uma agilidade incrível desviou de todas as investidas da fera, e em um golpe de habilidade, acertou novamente sua adversária, mas desta vez não tão profundamente.

A Sombra caiu mais uma vez. Bhertaco Asas-de-Prata já estava de novo em pé a sua frente. O felino negro tentou o intimidar com rosnados e grunhidos, mas o jovem se mostrou inabalável. Olhando a sua volta, viu que os demais guerreiros já estavam também se aproximando e cercando Minerva para protegê-la. Foi então que o animal saiu em disparada em direção a floresta.

Bhertaco Asas-de-Prata sem pestanejar, disparou atrás da fera para caça-la e aproveitar o momento que ela estava ferida e assustada. Mas Minerva então o chamou, e com aquela sua voz serena, ele foi obrigado a parar para escuta-la.

- Não vá! – Minerva gritou de trás dos guerreiros que a cercavam e a protegiam.

- Minha Senhora, é preciso. Essa é uma oportunidade perfeita que não podemos desperdiçar! – Era o jovem guerreiro, já se preparando para partir novamente.

- Bhertaco Asas-de-Prata. Eu o quero como o meu campeão! – Declarou a moça, para um breve espanto dos anciões presentes.

Já de costas, o guerreiro parou novamente:

- Minha Senhora, eu quero ser o seu campeão. – Virou o rosto para Minerva uma ultima vez, antes de partir – Eu irei provar meu valor, e retornarei para você. Eu prometo. – E partiu.

Minerva caiu de joelhos, e lágrimas correram-lhe dos olhos:

- Eu o esperarei, meu campeão. Eu o esperarei de volta.

***

E Minerva o esperou.

Esperou por um dia, uma semana, um mês, um ano, uma década.

Minerva esperou cinquenta anos e ninguém havia retornado ainda.

Nem Bhertaco Asas-de-prata.

Nem A Sombra.

***

O velho da praça acendeu um novo cachimbo, para finalizar a história:

- E foi exatamente aqui, meu jovem. Foi no local desta fonte que Minerva morreu de velhice, sentada a espera de seu amor.

O menino piscou os olhos algumas vezes, não acreditando naquele final inesperado.

- Que história mais triste! Quer dizer que o herói fracassou? E a princesa morreu infeliz? – Revoltou-se o moleque – Não gostei! – Foi então que ele se levantou e saiu a voar novamente pelo seu céu imaginário, agora também com sol e tempo bom, sem tempestade.

O velho barbudo apenas tragou mais do seu cachimbo, não respondendo aos resmungos do garoto.

Depois de algum tempo, o velhote acabou por dizer a si mesmo:

- Crianças são tão impacientes. Quem disse que o campeão não retornou?

Um beija-flor apareceu. Rodeou o homem e seu cachimbo e se dirigiu a estátua de Minerva. O pássaro parou em frente à flor aos seus pés e, vendo que ela estava bem, à beijou e saiu a voar novamente.


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