sábado, 24 de novembro de 2012

Espada, chuva e sangue

Abaixo, segue um conto meu que escrevi a muuuuito tempo atrás, e reescrito a pouco tempo ^__^.

Espero que gostem...

***

Espada, chuva e sangue

Conto Espada chuva e sangue


Estava eu a colocar a braçadeira da armadura de combate. Ultima peça antes de partir ao trabalho e de lá para o cambo de batalha. Não para lutar, mas para escoltar a capital do reino o bando de escravos capturados na ultima guerra. Saímos vitoriosos dela, porem todos devem se perguntar se é realmente possível ganhar algo depois do sangue ser jorrado campo a fora. Sem contar com a miséria, fome e falta de emprego para o povo, que fica praticamente esquecido pelo Império em momentos como estes, onde o que prevalece não é a saúde dos cidadãos, mas sim a ganancia dos nobres poderosos, os de sangue azul. Não podemos esquecer da segurança, pois os homens nessas horas são convocados para servirem ao exército, deixando suas famílias desprotegidas sendo alvos fáceis para ladrões.


De nada adiantava a mim reclamar, pois era do Exercito Imperial que eu tirava o principal sustendo para mim e minha esposa. A angustia de apenas seguir os comandos dos de classe mais alta, foi amenizado quando após um notório período de serviço militar, havia ganho minha merecida promoção. De soldado, passei a Capitão de Milícia, após dedicar boa parte da minha vida a proteger e lutar pelo Imperador.

O tempo lá fora estava cinza, onde o sol não aparecia mais, e do horizonte percebia-se a aproximação de nuvens negras. “Chuva a qualquer momento” - pensei. Com o escudo já as costas, busquei logo pegar minha fiel companheira que repousava sobre a mesa. Minha espada.

Mais do que uma arma, era uma extensão do meu corpo, e a tratava como realmente fosse um ente querido, pois através dela que eu conseguia voltar a ver o meu verdadeiro amor. Minha mulher.

Pronto para sair, senti falta da presença de minha amada. No primeiro momento não a vi e comecei a procurá-la nos demais cômodos da casa para me despedir. Morávamos ao pé de uma colina, longe da cidade. Gostávamos da tranquilidade que aquele lugar nos proporcionava, então cultivávamos uma pequena plantação aos fundos da residência para precisar ir o menos possível para a loucura da feira, na Vila Imperial, a cidade mais próxima. Nossa casa era humilde, pois assim preferíamos. Aconchegante e quente, principalmente no inverno.

Uma grande trovoada ressoou lá fora e segundos depois o céu desabou. Não encontrando minha esposa, corri para a varanda nos fundos da casa. De lá chamei-a pelo nome, mas não obtive resposta. Levemente preocupado, saí mesmo na chuva e adentrei em nosso milharal, que nesta época estava no ápice do seu desenvolvimento. Nos corredores formados pelas altas plantas, gritei mais de uma vez o nome de minha mulher. Nada.

Apressei o passo, no mesmo ritmo que  acelerava meu coração. Eu não era homem de se preocupar facilmente, mas alguma coisa naquele instante me fazia querer ver minha esposa o mais rápido possível. Já não clamava mais o seu nome, apenas corria e buscava qualquer pista do seu paradeiro. Então vieram as risadas.

Estranhando um bocado o ocorrido, busquei descobrir de que lado elas vinham. Lentamente caminhei em direção ao local do ser risonho e tive a maior decepção que um homem apaixonado poderia sentir. Neste momento encontrei minha mulher, de joelhos, nos braços de um homem de capa e capuz, sem rosto a mostra. E ela rindo.

De costas para mim, não havia notado minha presença ainda. Ali fiquei por alguns segundos, naquela chuva torrencial, vivendo o inferno em vida, até que o encapuzado vagarosamente olhou em minha direção, mostrando os olhos ordinários, cara suja e uma risada forçada. Minha esposa virou-se ao meu encontro e sua expressão de felicidade sessou. O sorriso transformou-se em uma cara de espanto e medo.

Não sei descrever como eu me comportara naquele momento. Lembro-me que fechei os olhos e desejei que tudo aquilo fosse um sonho. Um terrível e indesejável pesadelo.

Por sorte, acordei.

***

Suava frio. Com a pele completamente pegajosa devido a transpiração, levantei-me furiosamente da cama. De pé, fiquei por alguns instantes na beirada da cama, tentando entender o que havia acontecido. Aos poucos recobrei a consciência e dei uma leve gargalhada, quando percebi que acabara de acordar de um pesadelo.

“Ando trabalhando de mais...” - falei a mim mesmo, passando as mãos na cara e depois nos cabelos. E realmente era verdade. Acabara de voltar de uma longa viagem a serviço do Exercito Imperial, e ganhara um pequeno período de descanso. Olhei em direção a cama e vi que estava sozinho. “Deve ter me deixado dormir e descansar...” - pensei em relação a falta da presença de minha esposa. Fui a sala.

A mesa estava posta com um belo café da manhã. Sorri. Realmente amava minha mulher. Olhei pela janela e o céu estava escuro. Inevitavelmente lembrei do sonho. Olhando em volta e não vi minha amada. Meu coração pulou.

Chamei uma, duas vezes o seu nome. O silêncio quase me fez enlouquecer. Tentei não me desesperar, mas já era tarde demais. Não demorou muito, começou a chover. Uma chuva realmente familiar. Com o coração já acelerado e os nervos a flor da pele, empunhei minha espada, e ainda com a roupagem de dormir, me dirigi aos fundos da casa.

Parei na varanda e fixei o olhar no milharal a minha frente. Custei a dar o próximo passo, pois o medo estava fortemente assolando minha alma. Realmente um sentimento estranho para um guerreiro como eu. Era algo muito diferente do que se passava em minha mente ao entrar em um campo de batalha, por exemplo. Era uma sensação inexplicavel e muito pior.

Rapidamente minhas roupas ficaram pesadas com a água da chuva. Continuei vagarosamente e a cada passo aumentava mais a angustia e me embrulhava o estomago. Com minha espada na mão direita, quase sem forças para levantá-la, fazia um rastro no chão por onde eu passava. Se eu parasse e olhasse para trás, notaria que não estava a andar em linha reta, mas ziguezagueando pelo caminho, comprovando que eu já não pensava direito, estando completamente desnorteado.

Por instinto talvez, segui exatamente por onde deveria. Parei no mesmo local do sonho, onde lá eu começara a ouvir a maldita risada. E agora não foi diferente, para a minha infelicidade e desespero. O som logo que percebido pelos meus tímpanos, entrou em minha mente corroendo minha lucidez. Rangi os dentes e segui em frente, agora a passos largos e pesados.

Fiz a curva que me separava dos dois amantes já com um demônio dentro de mim. E lá estavam eles: de joelhos, onde ele, o encapuzado, abraçava ela e onde ele ainda escondia o rosto, e ela... somente ria. Na distância que nos separava, pude correr e pegar o impulso que necessitava para desferir o golpe mortal.

Ela então se virou vagarosamente em minha direção.

Foi então que nesse momento minha alma se despedaçou por completo.

Eu havia me enganado. O que eu imaginara ser risos, era choro. O que eu pensara ser um amante, era um ladrão, que agora caia ao lado dela com uma faca no estomago.

Para meu desespero, não consegui parar o golpe de espada que desferira contra ela. Fechei os olhos, mas senti quando a decepei. Caí de joelhos imediatamente, e mesmo sem querer, meus olhos tentaram a abrir e pude ver a cabeça de minha esposa jogada a frente.

No seu rosto lágrimas inocentes de quem acabara de matar alguém, seguido das lágrimas de não entender o porque de eu acabar com sua vida.

E assim foi o que ocorreu nesta triste manhã.

Deixo esta carta para que saibam o fim que levou a família desta casa. Uma família feliz, mas que foi aterrorizada por um fantasma em um pesadelo.

Sesso aqui o fim de minha existência.

Irei para o outro mundo em busca do perdão de minha mulher. Para isso, contarei mais uma vez com a ajuda de minha espada, que apesar de ainda conter sangue em sua lamina da minha amada, sempre me permitiu voltar ao lado dela, após todas as batalhas.

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